LA CALESITA DE LAS TOSCAS

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O que aconteceu?

O carrossel de Las Toscas, que se encontra na praça central da localidade, estava desativado, travado com um cadeado. As hastes de ferro estavam enferrujadas, a engrenagem rangia bastante. Não havia nenhum carrinho ali. Estava tudo vazio e esquecido. A pintura com ilustrações coloridas de personagens de desenho animado também estava descascando, mas ainda dava para imaginar como tudo aquilo havia sido um dia. Talvez nem fosse tão antigo.

A cena era um pouco contraditória se pensarmos que Las Toscas é uma cidade com alto índice de jovens e crianças. Leonardo Remor, artista de Porto Alegre (Brasil), quando chegou no povoado logo se deu conta disso: havia uma meninada esperando por ele com um grande cartaz que dizia “Leonardo, bienvenido… te estaba esperando, la puerta está abierta”.

Leonardo fazia as refeições na escola, junto com as crianças, o que acabava possibilitando um vínculo com a juventude dali. Curiosos, queriam saber o que ele fazia, de onde vinha, o que era, afinal de contas, ser um “artista contemporâneo”.

Alguns dias depois de sua chegada, entre uma agenda carregada de visitas, conversas e passeios, já que todo mundo tinha um certo interesse em conviver com esse brasileiro recém chegado, Leonardo encontra os carrinhos do carrossel nos fundos da delegação. Com a ajuda de toda a criançada da cidade, esses carrinhos não ficariam ali por muito tempo.

Arrastando essas peças pra lá e para cá, começam a distribuir esses carrinhos pela cidade, ou melhor dizendo, começam a devolvê-los a seu habitat natural. O porquinho se desloca até a pocilga, o pato se junta com os gansos, o trem se aproxima de onde passava a linha férrea e a espaçonave… bom, a espaçonave aterriza no campo aberto de soja.

Essa disposição dos carrinhos em diferentes pontos da região, reativando-os de acordo com o local onde eram inseridos, rendeu uma série fotográfica. Além disso, rendeu também um vídeo que registra as crianças de Las Toscas brincando com o carrossel desativado. A série fotográfica que surgiu a partir do programa de residência de Leonardo Remor tinha como intuito ser fragmentada e distribuída por diferentes habitantes do povoado, cada um, levando uma fotografia para dentro de sua casa. Dessa maneira, para reconstruir simbolicamente o carrossel com todos seus carrinhos, a pessoa deveria circular pelas vizinhanças no mesmo processo de deslocamento previsto pela brincadeira.

 

Vamos continuar falando…

O trabalho proposto por Leonardo Remor não implica apenas em uma série fotográfica, desenvolvida em meio ao cenário público de Las Toscas. Mais do que isso, pode ser percebido como uma ação colaborativa entre o artista e os moradores: os pequenos moradores da região.

Ao ativar os jovens que ali moram e que ali estão crescendo, Leonardo propõe a eles uma outra relação com esse espaço: uma relação propositiva, de exploração de território, de jogo. Sugere para eles (e com eles) o raciocínio da produção e da solução em grupo. Assim, todos eles, ao se apropriarem de um problema e possibilitarem formas de resolvê-lo, trabalham no sentido de uma construção coletiva. E como resultado, o financiamento cultural destinado neste programa de residência gera uma ação que reflete o diálogo entre arte e comunidade. Mas vale destacar que isso não inviabiliza a convergência com um possível mercado da arte.

As fotografias tiradas por Leonardo Remor são um exemplo de como uma ação artística voltada a processos sociais pode também funcionar dentro do museu ou da galeria.

Ao mesmo tempo, o trabalho realizado por Leonardo evoca uma articulação entre comunidade, espaço e instituição. Se o carrossel é um brinquedo disponibilizado pela municipalidade, perceber seu abandono é também uma forma de disparar uma consciência no corpo social bem como uma criticidade por parte dos moradores sobre a eficiência da gestão estatal.

O cadeado que impedia o movimento do carrossel ressoava como metáfora à trava dos mecanismos estatais. Esse gesto artístico mobiliza o indivíduo como um sujeito pertencente ao espaço urbano e participativo nas problemáticas administrativas associadas aos aparelhos públicos.

Por outro lado, simbolicamente, o carrossel nos permite uma viagem. Subir nele é mergulhar em um deslocamento – em uma rotação temporal e espacial – mas cujo roteiro se repete constantemente. A reiteração desse trajeto, idêntico e conforme, nada mais é do que um andar em círculos. Talvez, levar esses carrinhos para outros locais da cidade, fora de seu eixo central e para além da praça principal, é uma sugestão de quebra. É uma maneira de romper com a repetição e de fazê-los ir mais longe. Se no carrossel a rota não te leva a lugar algum, no trabalho de Leonardo Remor foi possível pensar em outras viagens, outros trajetos e outros destinos.

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Jorge Sepúlveda T., Guillermina Bustos, Paola Fabres

 

Residência COMUNITARIA, 2016
Lincoln, Argentina